sábado, março 31, 2007

A QUEDA DE UM ANJO

CAMILO CASTELO BRANCO

A Queda Dum Anjo traça alegoricamente o percurso da contaminação do Portugal antigo por modas políticas, sociais, religiosas e culturais a partir do percurso de uma personagem. Calisto Elói, morgado de Agra de Freimas, vive em Caçarelhos em perfeita harmonia com a sua esposa, D. Teodora de Figueiroa. O seu conhecimento dos clássicos, aos quais dedicou toda a vida, enche-o de uma sabedoria moralista e conservadora que o faz ser eleito deputado pelo círculo de Miranda.
A sua presença em Lisboa e os seus discursos no Parlamento fazem sensação. A moral dos costumes antigos, que defende em detrimento do luxo e dos teatros, a vernaculidade autêntica e concisa do seu discurso, o seu senso comum, têm um impacto cómico em Lisboa, o que é tanto mais irónico quanto fazem sentido.
Deste modo, retratando o Parlamento como palco fechado e circular das disputas pessoais que os próprios discursos políticos geram, o narrador troça daqueles que, em vez de tentarem conhecer e resolver os verdadeiros problemas nacionais, troçam da sua personagem. Neste sentido, é exemplar o idiolecto florido do deputado Libório Meireles, cujas tendências plagiárias Calisto não tarda a denunciar. O seu estatuto incorrupto e contudo anacrónico é simbolizado pelo traje: «calças rematando em polainas de madrepérola» cujo feitio copiara daquelas do seu casamento, molde imutável de todo o seu vestuário desde então. Mas a experiência da sociedade lisboeta, cheia de mulheres que lêem Balzac e lhe dão a conhecer um romance de Camilo, cujos galicismos condena veementemente, não deixa o herói imune.
A contaminação da personagem e os indícios da queda expressam-se exteriormente através da primeira visita a um alfaiate lisboeta, impulsionada pela intenção de impressionar uma jovem menina casadoira cuja irmã ele mesmo acabara de resgatar de uma ligação adúltera. Esse é o primeiro passo de um percurso que culminará na transfiguração de anjo em «esbelta figura de homem», «subordinado ao alvitre do alfaiate», cheio de «meneios, posturas e jeitos» a quem «o descostume da leitura restituíra o aprumo da espinha dorsal». A sua própria mulher não o reconhecerá. Esta transfiguração exterior traduz a sua metamorfose moral, consumada na defesa de princípios liberais em discursos tão ocos como aqueles que no início condenara e na ligação adúltera que mantém com uma viúva brasileira, D. Ifigénia Ponce de Leão, de quem terá dois filhos.

1 comentário:

Anónimo disse...

http://nuas.blogtok.com/menu/6/8154/mulher/pag/9/

(...):)